domingo, 14 de setembro de 2014

Teoria de rpg - O aspecto Persona e a teoria GNS


Eu falei um pouco da teoria GNS (Gamismo, Narrativismo e Simulacionismo) no meu último post, e hoje eu gostaria de elaborar um pouco mais sobre o assunto, além de dar minha opinião sobre a teoria GNS e os adendos que fiz a ela.

Em seu core, o GNS baseia suas premissas em 3 aspectos: o aspecto de jogo (desafios e táticas), o aspecto de narrativa (as mecânicas que lidam com o desenvolvimento de personagem e criação de histórias) e o aspecto de simulação (quão bem o sistema emula seu gênero proposto, como faroeste, fantasia ou ficção científica). Apesar de ser uma teoria engajante, eu a considero problemática, especialmente no que concerne muitos de seus conceitos abstratos e dificuldade de aplicá-los numa análise direta de um sistema de rpg. Em parte, acredito que isto aconteça em razão de a aplicação inicial do sistema GNS ter sido para categorizar as diferentes expectativas e comportamentos dos jogadores, não dos sistemas. Contudo, não demorou muito para seu uso ter sido ampliado e aplicado diretamente no design de novos jogos de rpg. Desde então, muitos outros teorizaram sobre a teoria GNS e as suas noções mudaram ou, pelo menos, a maneira como o público as perceba mudou. Atualmente, os três conceitos são normalmente entendidos como: Gamista (rpg onde o jogo foque nas regras, nas opções, táticas, desafios e combates); Narrativista (jogos de rpg que focam em contar histórias e narração dividida); e Simulacionista (rpgs que focam na criação de personagem e no realismo).

Contudo, eu acho que estas definições são ou excessivamente abstratas ou ineficientes quando usadas como ferramentes descritivas para um sistema de rpg. Então eu comecei a pensar sobre como descrever propriamente um rpg. A principal pergunta que direcionou minha busca foi: o que compõe os aspectos fundamentais de um rpg? Existem características que compõe cada rpg que existe? Para conseguir alcançar esse objetivo, reuni conceitos e ideias e, apesar de eu mudar de opinião de tempos em tempos, acredito que encontrei uma maneira com a qual eu esteja confortável de um método para descrever sistemas de rpg.

Basicalmente, o que é o rpg de mesa? É um jogo de contar histórias em grupo. Mas essas histórias não são contadas aleatoriamente, como aquelas ditas na fogueira de um acampamento. Não, eles usam um grupo específicos de regras para direcionar o processo de criar histórias. Tais regras são chamadas de Sistemas, e existem centenas deles. Cada sistema de rpg tem 4 aspectos centrais:

. Gamista: A parte que lida com o 'jogo' e as regras. Todo sistema tem regras que seus participantes devem seguir de maneira a poder construir a história em conjunto. Quanto mais um sistema pareça com um jogo de tabuleiro - tendo regras para papéis específicos que um personagem pode ter (como classes), tendo as cenas baseadas em desafios (como, por exemplo, objetivos específicos que devem ser completados antes de seguir em frente com a história), e tendo elementos táticos complexos para desafios (como grids de combate) - mais o sistema é gamista.

. Narrativista: A história e narração. Cada participante pode contribuir com a criação da história. Quanto mais um sistema dê opções aos seus participantes para a construção da história - fazendo com que todos possam contribuir com a narrativa, fazendo a construção do mundo seja feita por todos e tendo atributos abertos que permitem a improvisação por parte dos jogadores - mais narrativista um sistema é.

. Simulacionista: O gênero e atmosfera. Cada sistema tem um cenário ou atmosfera que ele tenta emular com suas regras. Quanto mais componentes ligados à essa emulação - o design e as nomenclaturas refletem o espírito do jogo, as regras tem situações específicas do gênero e o jogo premia os jogadores que agem de acordo com o gênero proposto - mais simulacionista o sistema é.

. Personalista: Os personagens e a atuação. Em todo sistema existem personagens (Personas) que os participantes interpretam e jogam. Quanto mais um sistema focar na construção de personagens - dando opções para customizar suas capacidades e perícias, dando representação mecânica para sua personalidade e moral e premiando jogadores para agirem de acordo com o personagem e criando uma história para ele - mais personalista um sistema é.

Como podem ver, eu adicionei um quarto aspecto de descrição à teoria GNS - o elemento Persona, que tem características do Narrativismo original, apesar de focar principalmente na construção de personagens. Eu acredito que esta adição ajuda a melhor descrever sistemas, e, só para questões de nomenclatura, eu chamo essa ideia de 'GNSP'.

Contudo, é importante notar que o fato de um sistema ter mais elementos de um aspecto que outro sistema não o faz 'melhor'. Este método tem como intenção descrever rpgs, e não julgá-los de forma normativa. Cada sistema pode ser divertido de jogar, variando da preferência de jogador para jogador. Não é isso que está em questão aqui, a proposta é apenas de um método descritivo das mecânicas de um sistema.

Porém, este post é meramente uma introdução ao GNSP que eu rapidamente apresentei. Com o tempo, espero mostrar mais de suas partes e discutir meticulosamente seus elementos.

Até a próxima,
Valete

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sábado, 6 de setembro de 2014

Reflexões de rpg - O que faz o combate ser interessante? Gamismo, Simulacionismo e Narrativismo



No meu último post, onde eu falei sobre como sistemas de rpg deixam os guerreiros chatos, eu acho que acabei pulando um ponto crucial da discussão: o que faz um combate ser interessante? Então hoje eu gostaria de falar um pouco mais dessa questão usando a teoria GNS (gamismo, narrativismo e simulacionismo), que é uma teoria de rpg e gaming bastante conhecida. Não se preocupe, mesmo se você não tiver conhecimento dela, eu farei uma introdução rápida.

Apenas como um sumário bastante rápido do conceito, jogos e jogadores Gamistas focam nos desafios e na parte 'jogo' de um rpg. O objetivo central está em derrotar os problemas que aparecem durante uma aventura usando as diferentes habilidades e poderes que o seu grupo de personagens tem. Os Simulacionistas tendem a centrar em torno do aspecto 'roleplay', na interpretação de personagem e em simular a realidade. Os Narrativistas focam no quadro geral, na 'plot', na 'história' sendo criada pelo grupo. As mecânicas são feitas de modo a permitir que cada participante na mesa tenha uma chance de adicionar fatos à história, muitas vezes dividindo o control de narração do Mestre com os jogadores.

Então, através das lentes desses diferentes modos de ver o jogo, o que faz um combate ser interessante?

Combate no Gamismo: A diversão está no desafio, em criando boas 'builds' de personagem e ser capaz de superar seus inimigos com táticas superiores. Os atributos e mecânicas existem para criar um ambiente tático para que os jogadores e o Mestre possam criar estratégias. Os tipos de personagens são orientados para manobras específicas, monstros têm habilidades e fraquezas únicas e, apesar de a sorte estar sempre presente, um bom jogador que conheça as regras do jogo e com um personagem bem criado, é capaz de superar a maioria dos desafios sem dificuldade. O exemplo mais conhecido de um combate Gamista é o D&D (especialmente a 3a e 4a edição), juntamente com  Pathfinder (que basicamente é um D&D 3,75). Estes jogos dão milhares de escolhas diferentes para customizar um personagem, cada uma com uma aplicação tática única. Combate pode tomar horas (algumas vezes até dias), com monstros usando um arsenal incrível de habilidades especiais e perícias para pegar os jogadores desprevenidos. Contudo, na minha opinião, o maior exemplo de um sistema gamista é o Fate of the Norns. Neste jogo, ao invés de usar dados, você usa pequenas runas, cada uma ligada a uma diferente habilidade do seu personagem, e você é capaz de jogá-las sobre a mesa seguindo um padrão bastante rígido e interessante (similar ao jogo de dominó). A maneira como você combina as peças em relação às dos oponentes afetam o resultado de suas ações e este é provavelmente o sistema mais complexo e tático de combate que já vi em qualquer rpg.

Combate no Simulacionismo: Foca principalmente na necessidade de simular a verissimilitude da realidade. Cada ação e cada movimento que um personagem faz deve ter um eco nas regras. Piscar, mudar de arma, preparar armas, falar, cada coisa faz a diferença. O centro é mudado do 'desafio' para a 'simulação', e o combate no Simulacionista deve ser sentido como 'real'. Ferimentos afetam claramente o corpo, e se um personagem é ferido, ele irá sentir dor e isso interferirá de alguma forma em seus rolamentos. As características refletem a realidade, e os jogadores terão uma variedade imensa para escolher entre 'pequenas' opções, como perícias, atributos, vantagens, tudo de maneira a permitir que o combate seja percebido como real. Apesar de existirem muitos rpgs simulacionistas (como o Storyteller/ing, Daemon, EABA, Fuzion), eles são todos muito similares em seu objetivo de emular a realidade. Daí eu aponto o que talvez seja o maior exemplo de um simulacionista, o rpg Gurps, um dos grandes anciões de todos os sistemas de rpg. Em Gurps, turnos de combate demoram 1 segundo, uma resolução bastante realista, e os personagens podem fazer muito pouco durante um deles. É como o ditado: 'A arte imita a vida, e a vida imita Gurps'.

Combate no Narrativismo: O foco está em contar uma história e narrar eventos. Por causa disso, os atributos dos personagens normalmente valem muito pouco para um combate narrativista. Tudo que importa é como o jogador narrará suas ações, e as características apenas servem como uma base para 'colorir' o combate. Alguns bons exemplos de Narrativistas se encontram em dois dos mais antigos desses sistemas: Risus e The Pool (A Pilha em Português). Nestes jogos, os personagens têm atributos bastante amplos (como, por exemplo, 'Viking', 'Pirata espacial aposentado', 'À procura do Santo Graal', 'Mestre dos Elementos além do Tempo e Espaço'). Estes atributos podem ser usados para qualquer coisa que o jogador ache possível um uso para eles - você pode usar 'Viking' para beber, e 'À procura do Santo Graal' como uma perícia social para convencer uma guilda mercante a emprestar-lhe um barco de maneira que você possa lutar contra aqueles irritantes orcs pelo 'Bem Maior'. Narrativistas não se importam muito com realismo ou desafio, mas em contar uma história interessante. Outro Narrativista bastante conhecido é o FATE, que é menos 'aberto' do que Risus e A Pilha. Cada personagem tem atributos específicos para usar e as regras são mais solidificadas. Contudo, o maior de todos os Narrativistas, na minha opinião, é o infame Wu Shu. Neste jogo, você tem atributos bastante amplos (como em Risus e The Pool) mas, ao invés de você rolar um número fixo de dados dependendo do nível do seu atributo, você rola 1 por descrição que fizer de sua ação. Logo, se você diz 'Eu ataco o cara (1) com minha faca (2)', você ganha 2 dados para sua ação. Se você diz 'Rangendo os dentes (1) num sorriso cheio de raiva (2) similar a um milhar de demônios eunucos do inferno (3), eu levanto minha mão direita (4) e a desço sobre o pescoço de meu inimigo (5), enquanto falo "como você gosta disso agora, babaca?" (6)', você rola 6 dados. Wu Shu é um dos mais diferentes, estranhos e incríveis rpgs que eu já li. Todos deveriam dar uma lidinha nele.

Afinal, o que faz o combate ser interessante? Tudo isso. Não existe isso de sistema 'só gamista' ou 'só simulacionista'. Todos os rpgs têm uma parcela significativa destes diferentes sabores - alguns mais que outros, mas de qualquer forma eles todos dividem um pouco de cada aspecto. Você, como um jogador e como um Mestre, deve encontrar qual tipo de combate prefira mais - qual tipo de jogador de rpg você é. Se for interessado em Gamismo, criando táticas e conseguindo vitória sobre desafios; se é interessado em Simulacionismo, em sentir-se imerso no mundo de jogo enquanto interpreta seu personagem e joga com mecânicas realísticas; ou em Narrativismo, onde sua paixão jaz em contar histórias, adicionando detalhes ao cenário e dividindo a narração com o Mestre. Dessa forma, eu concluo esta reflexão pedindo a vocês que ponderes sobre a maneira como você gosta de jogar seus jogos e qual seria o seu estilo favorito.

Até a próxima
Valete!

Images: durante o texto

Links:

. Wu shu rpg ; (procure por Brazillian e verá uma versão em português)
. Risus rpg


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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Reflexões de rpg - Por que os sistemas de rpg tornam os guerreiros chatos?



Guerreiros são incríveis. Eles são o heroi quintessencial de toda fantasia e mitologia, com seus feitos extraordinários de habilidade e proeza no campo de batalha. Na mitologia, nós temos Hércules, que estrangulou o leão de Neméia; ou Belerofonte, que, voando montado no Pégasos, derrotou a quimera; ou o deus guerreiro Susanoo, que num combate titânico derrotou a cobra gigante Orochi. Na ficção moderna, poucos guerreiros conseguem ter uma fama maior que a de Conan, o bárbaro cimério; contudo, indo além de fantasia de espada e feitiçaria, nós também podemos ver os Cavaleiros Jedi de Star Wars e os vários super heróis de quadrinhos - como o Batman e a Mulher Maravilha.

E por que guerreiros são incríveis? Eu acredito que seja por eles tocarem aquele ponto primal dentro de todos nós, o instinto de lutar, de nos colocarmos de pé e confrontarmos a oposição. Eles lutam com ferro, carne, punhos e ossos, sangrando conforme fazem seus caminhos através dos seus inimigos. Eles podem usar a força - como Sansão - a inteligência - como Ulysses - ou agilidade incrível - como Zorro - mas eles inevitavelmente tomam o campo de batalha em suas mãos com sua habilidade.

Contudo, estas manobras incríveis não são o que normalmente acontecem na maioria dos rpgs. Na verdade, jogar com guerreiros na maioria dos rpgs se resume a dizer 'eu ataco' e rolar alguns dados para ver se o inimigo foi atingido e depois rolar alguns outros para dano. No máximo, um jogador pode ser permitido 'tentar' fazer algo incrível como balançar num candelábrio dando um mortal de costas, pousar numa mesa, dizer uma frase de efeito e chutar o cara mau para dentro da lareira. Porém, fazer algo assim acabaria, na maioria dos rpgs, conferindo milhares de penalidades para sua jogada. Portanto, ao invés de fazer algo incrível, você permanece fazendo as ações básicas 'chatas' e diz 'eu ataco'.

Mesmo D&D (e os sistemas OSR) - que é um rpg que tenta simular fantasia heróica - não trata guerreiros muito bem. O D&D Old School tem algumas noções abstratas (rounds são longos, ataques e defesas permitem uma certa liberdade de interpretação), o que dá espaço para certo roleplay. Contudo, não há encorajamentos para os jogadores narrarem seus ataques pois tudo se resume à jogada de ataque contra a CA, com pouca ou nenhuma variação ou ajuda do sistema mecânico. E o New School de D&D (3a e 4a edições) talvez seja ainda pior, pois tornou os aspectos de combate muito determinísticos. Os rounds de combate ficaram bastante rígidos, cada ataque representando um único golpe, cada ação sendo minuciosamente detalhada. Todas essas especificações focam demais no aspecto de 'jogo' do combate e pouco no aspecto de 'interpretação'.

E esse é o problema principal de guerreiros e combate na maioria dos rpgs: eles não aliam 'mecânicas' à 'narração'. Mesmo assim, existem sistemas que permitem muita interação entre os dois. O Marvel Heroic Roleplay (MHR) exige que os jogadores interpretem cada aspecto que eles queiram usar durante um ataque - portanto, se você tem Super Velocidade e Super Força e quer usar ambas num ataque, você terá de descrever como cada uma é usada, não podendo simplesmente falar 'Eu ataco'. O Open Versatile Anime rpg (OVA rpg) também deixa claro que as ações devem estar correlacionadas com a narração. Talvez até o maior exemplo de alinhamento entre mecânica e narração esteja no Dungeon World, derivado do Apocalypse World engine, pois cada movimento e cada ação são indissociáveis da narração de dentro do jogo.

Ter narração sem um respaldo mecânico torna a ação vazia e sem sentido. E ter mecânicas sem narração torna o jogo frio e distante - em verdade, se for só pelas mecânicas, é muito melhor jogar um jogo de estartégia ou um video game (como Dark Souls e Final Fantasy). Mas rpgs como Dungeon World, MHR e OVA nos mostram que é possível encontrar um meio termo entre mecânica e narração e tornar combates (e guerreiros!) incríveis.

Pensando assim, nos próximos dias irei postar sobre Feitos de Combate - ideias para permitir guerreiros serem incríveis. Permiti-los pular nas costas de um escorpião gigante e fazer com que o monstro ferroe a si mesmo, puxar os pêlos de um lobisomem e lutar com ele no solo ou cegar os olhos de um beholder antes que ele lance seus raios malignos.

Até a próxima,
Valete!

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