sábado, 6 de setembro de 2014

Reflexões de rpg - O que faz o combate ser interessante? Gamismo, Simulacionismo e Narrativismo



No meu último post, onde eu falei sobre como sistemas de rpg deixam os guerreiros chatos, eu acho que acabei pulando um ponto crucial da discussão: o que faz um combate ser interessante? Então hoje eu gostaria de falar um pouco mais dessa questão usando a teoria GNS (gamismo, narrativismo e simulacionismo), que é uma teoria de rpg e gaming bastante conhecida. Não se preocupe, mesmo se você não tiver conhecimento dela, eu farei uma introdução rápida.

Apenas como um sumário bastante rápido do conceito, jogos e jogadores Gamistas focam nos desafios e na parte 'jogo' de um rpg. O objetivo central está em derrotar os problemas que aparecem durante uma aventura usando as diferentes habilidades e poderes que o seu grupo de personagens tem. Os Simulacionistas tendem a centrar em torno do aspecto 'roleplay', na interpretação de personagem e em simular a realidade. Os Narrativistas focam no quadro geral, na 'plot', na 'história' sendo criada pelo grupo. As mecânicas são feitas de modo a permitir que cada participante na mesa tenha uma chance de adicionar fatos à história, muitas vezes dividindo o control de narração do Mestre com os jogadores.

Então, através das lentes desses diferentes modos de ver o jogo, o que faz um combate ser interessante?

Combate no Gamismo: A diversão está no desafio, em criando boas 'builds' de personagem e ser capaz de superar seus inimigos com táticas superiores. Os atributos e mecânicas existem para criar um ambiente tático para que os jogadores e o Mestre possam criar estratégias. Os tipos de personagens são orientados para manobras específicas, monstros têm habilidades e fraquezas únicas e, apesar de a sorte estar sempre presente, um bom jogador que conheça as regras do jogo e com um personagem bem criado, é capaz de superar a maioria dos desafios sem dificuldade. O exemplo mais conhecido de um combate Gamista é o D&D (especialmente a 3a e 4a edição), juntamente com  Pathfinder (que basicamente é um D&D 3,75). Estes jogos dão milhares de escolhas diferentes para customizar um personagem, cada uma com uma aplicação tática única. Combate pode tomar horas (algumas vezes até dias), com monstros usando um arsenal incrível de habilidades especiais e perícias para pegar os jogadores desprevenidos. Contudo, na minha opinião, o maior exemplo de um sistema gamista é o Fate of the Norns. Neste jogo, ao invés de usar dados, você usa pequenas runas, cada uma ligada a uma diferente habilidade do seu personagem, e você é capaz de jogá-las sobre a mesa seguindo um padrão bastante rígido e interessante (similar ao jogo de dominó). A maneira como você combina as peças em relação às dos oponentes afetam o resultado de suas ações e este é provavelmente o sistema mais complexo e tático de combate que já vi em qualquer rpg.

Combate no Simulacionismo: Foca principalmente na necessidade de simular a verissimilitude da realidade. Cada ação e cada movimento que um personagem faz deve ter um eco nas regras. Piscar, mudar de arma, preparar armas, falar, cada coisa faz a diferença. O centro é mudado do 'desafio' para a 'simulação', e o combate no Simulacionista deve ser sentido como 'real'. Ferimentos afetam claramente o corpo, e se um personagem é ferido, ele irá sentir dor e isso interferirá de alguma forma em seus rolamentos. As características refletem a realidade, e os jogadores terão uma variedade imensa para escolher entre 'pequenas' opções, como perícias, atributos, vantagens, tudo de maneira a permitir que o combate seja percebido como real. Apesar de existirem muitos rpgs simulacionistas (como o Storyteller/ing, Daemon, EABA, Fuzion), eles são todos muito similares em seu objetivo de emular a realidade. Daí eu aponto o que talvez seja o maior exemplo de um simulacionista, o rpg Gurps, um dos grandes anciões de todos os sistemas de rpg. Em Gurps, turnos de combate demoram 1 segundo, uma resolução bastante realista, e os personagens podem fazer muito pouco durante um deles. É como o ditado: 'A arte imita a vida, e a vida imita Gurps'.

Combate no Narrativismo: O foco está em contar uma história e narrar eventos. Por causa disso, os atributos dos personagens normalmente valem muito pouco para um combate narrativista. Tudo que importa é como o jogador narrará suas ações, e as características apenas servem como uma base para 'colorir' o combate. Alguns bons exemplos de Narrativistas se encontram em dois dos mais antigos desses sistemas: Risus e The Pool (A Pilha em Português). Nestes jogos, os personagens têm atributos bastante amplos (como, por exemplo, 'Viking', 'Pirata espacial aposentado', 'À procura do Santo Graal', 'Mestre dos Elementos além do Tempo e Espaço'). Estes atributos podem ser usados para qualquer coisa que o jogador ache possível um uso para eles - você pode usar 'Viking' para beber, e 'À procura do Santo Graal' como uma perícia social para convencer uma guilda mercante a emprestar-lhe um barco de maneira que você possa lutar contra aqueles irritantes orcs pelo 'Bem Maior'. Narrativistas não se importam muito com realismo ou desafio, mas em contar uma história interessante. Outro Narrativista bastante conhecido é o FATE, que é menos 'aberto' do que Risus e A Pilha. Cada personagem tem atributos específicos para usar e as regras são mais solidificadas. Contudo, o maior de todos os Narrativistas, na minha opinião, é o infame Wu Shu. Neste jogo, você tem atributos bastante amplos (como em Risus e The Pool) mas, ao invés de você rolar um número fixo de dados dependendo do nível do seu atributo, você rola 1 por descrição que fizer de sua ação. Logo, se você diz 'Eu ataco o cara (1) com minha faca (2)', você ganha 2 dados para sua ação. Se você diz 'Rangendo os dentes (1) num sorriso cheio de raiva (2) similar a um milhar de demônios eunucos do inferno (3), eu levanto minha mão direita (4) e a desço sobre o pescoço de meu inimigo (5), enquanto falo "como você gosta disso agora, babaca?" (6)', você rola 6 dados. Wu Shu é um dos mais diferentes, estranhos e incríveis rpgs que eu já li. Todos deveriam dar uma lidinha nele.

Afinal, o que faz o combate ser interessante? Tudo isso. Não existe isso de sistema 'só gamista' ou 'só simulacionista'. Todos os rpgs têm uma parcela significativa destes diferentes sabores - alguns mais que outros, mas de qualquer forma eles todos dividem um pouco de cada aspecto. Você, como um jogador e como um Mestre, deve encontrar qual tipo de combate prefira mais - qual tipo de jogador de rpg você é. Se for interessado em Gamismo, criando táticas e conseguindo vitória sobre desafios; se é interessado em Simulacionismo, em sentir-se imerso no mundo de jogo enquanto interpreta seu personagem e joga com mecânicas realísticas; ou em Narrativismo, onde sua paixão jaz em contar histórias, adicionando detalhes ao cenário e dividindo a narração com o Mestre. Dessa forma, eu concluo esta reflexão pedindo a vocês que ponderes sobre a maneira como você gosta de jogar seus jogos e qual seria o seu estilo favorito.

Até a próxima
Valete!

Images: durante o texto

Links:

. Wu shu rpg ; (procure por Brazillian e verá uma versão em português)
. Risus rpg


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