quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Reflexões de rpg - Por que os sistemas de rpg tornam os guerreiros chatos?



Guerreiros são incríveis. Eles são o heroi quintessencial de toda fantasia e mitologia, com seus feitos extraordinários de habilidade e proeza no campo de batalha. Na mitologia, nós temos Hércules, que estrangulou o leão de Neméia; ou Belerofonte, que, voando montado no Pégasos, derrotou a quimera; ou o deus guerreiro Susanoo, que num combate titânico derrotou a cobra gigante Orochi. Na ficção moderna, poucos guerreiros conseguem ter uma fama maior que a de Conan, o bárbaro cimério; contudo, indo além de fantasia de espada e feitiçaria, nós também podemos ver os Cavaleiros Jedi de Star Wars e os vários super heróis de quadrinhos - como o Batman e a Mulher Maravilha.

E por que guerreiros são incríveis? Eu acredito que seja por eles tocarem aquele ponto primal dentro de todos nós, o instinto de lutar, de nos colocarmos de pé e confrontarmos a oposição. Eles lutam com ferro, carne, punhos e ossos, sangrando conforme fazem seus caminhos através dos seus inimigos. Eles podem usar a força - como Sansão - a inteligência - como Ulysses - ou agilidade incrível - como Zorro - mas eles inevitavelmente tomam o campo de batalha em suas mãos com sua habilidade.

Contudo, estas manobras incríveis não são o que normalmente acontecem na maioria dos rpgs. Na verdade, jogar com guerreiros na maioria dos rpgs se resume a dizer 'eu ataco' e rolar alguns dados para ver se o inimigo foi atingido e depois rolar alguns outros para dano. No máximo, um jogador pode ser permitido 'tentar' fazer algo incrível como balançar num candelábrio dando um mortal de costas, pousar numa mesa, dizer uma frase de efeito e chutar o cara mau para dentro da lareira. Porém, fazer algo assim acabaria, na maioria dos rpgs, conferindo milhares de penalidades para sua jogada. Portanto, ao invés de fazer algo incrível, você permanece fazendo as ações básicas 'chatas' e diz 'eu ataco'.

Mesmo D&D (e os sistemas OSR) - que é um rpg que tenta simular fantasia heróica - não trata guerreiros muito bem. O D&D Old School tem algumas noções abstratas (rounds são longos, ataques e defesas permitem uma certa liberdade de interpretação), o que dá espaço para certo roleplay. Contudo, não há encorajamentos para os jogadores narrarem seus ataques pois tudo se resume à jogada de ataque contra a CA, com pouca ou nenhuma variação ou ajuda do sistema mecânico. E o New School de D&D (3a e 4a edições) talvez seja ainda pior, pois tornou os aspectos de combate muito determinísticos. Os rounds de combate ficaram bastante rígidos, cada ataque representando um único golpe, cada ação sendo minuciosamente detalhada. Todas essas especificações focam demais no aspecto de 'jogo' do combate e pouco no aspecto de 'interpretação'.

E esse é o problema principal de guerreiros e combate na maioria dos rpgs: eles não aliam 'mecânicas' à 'narração'. Mesmo assim, existem sistemas que permitem muita interação entre os dois. O Marvel Heroic Roleplay (MHR) exige que os jogadores interpretem cada aspecto que eles queiram usar durante um ataque - portanto, se você tem Super Velocidade e Super Força e quer usar ambas num ataque, você terá de descrever como cada uma é usada, não podendo simplesmente falar 'Eu ataco'. O Open Versatile Anime rpg (OVA rpg) também deixa claro que as ações devem estar correlacionadas com a narração. Talvez até o maior exemplo de alinhamento entre mecânica e narração esteja no Dungeon World, derivado do Apocalypse World engine, pois cada movimento e cada ação são indissociáveis da narração de dentro do jogo.

Ter narração sem um respaldo mecânico torna a ação vazia e sem sentido. E ter mecânicas sem narração torna o jogo frio e distante - em verdade, se for só pelas mecânicas, é muito melhor jogar um jogo de estartégia ou um video game (como Dark Souls e Final Fantasy). Mas rpgs como Dungeon World, MHR e OVA nos mostram que é possível encontrar um meio termo entre mecânica e narração e tornar combates (e guerreiros!) incríveis.

Pensando assim, nos próximos dias irei postar sobre Feitos de Combate - ideias para permitir guerreiros serem incríveis. Permiti-los pular nas costas de um escorpião gigante e fazer com que o monstro ferroe a si mesmo, puxar os pêlos de um lobisomem e lutar com ele no solo ou cegar os olhos de um beholder antes que ele lance seus raios malignos.

Até a próxima,
Valete!

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3 comentários:

  1. Excelente introdução. Acredito que o problema não está somente com os guerreiros, mas outras classes tambem. A maior parte dos jogadores se apegam a mecânica do jogo e deixa o roleplayer de lado. Mesmos os mestres não conseguem narrar com emoção combates após combates! Aguardo os próximos posts!

    RPGames Brasil
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  2. Então, isso vai muito da criatividade dos jogadores. Na maior parte das vezes, eles são culpados e se restringem ao "eu ataco fulano". Mas acredito que alguns jogadores mais criativos às vezes fogem a isso e é algo legal.
    Qnt ao aspecto do próprio jogador narrar oq fez, eu não gosto muito, acho que o papel dele é dizer oq o personagem vai fazer e o mestre diz oq aconteceu baseado no resultado dos dados.
    Um último ponto que você abordou foi o fato desses atos heróicos nos combates envolverem penalidades. Acho isso normal, se o cara quer fazer algo mais difícil, penalidades devem ser aplicadas.

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