Viagens, um dos pontos centrais de todas as narrativas - Como tornar a Jornada interessante no jogo - |
(Resumo
TL;DR)
.
Jornadas
costumam ser resolvidas de maneira mecânica em rpgs, dando
importância a logística dela (distância, tipo de
montaria a ser usada, velocidade de movimento do grupo etc.) ao invés
de focar em seus aspectos narrativos e possibilidades de cenas de
interação.
. É possível criar jornadas mais engajadas
fazendo com que os jogadores participem diretamente, dando aos
personagens funções de exploração
(caçador, batedor, vigia, guia), fazendo testes de viagem e
criando cenas de lidando com as consequências que surgirem do
sucesso ou falha desses testes.
><><
Poucas imagens na ficção são mais
evocativas ou despertam mais a imaginação do que a da
viagem por terras distantes, povos diferentes e ruínas
esquecidas. Seja nos filmes de Star Wars, nos jogos de Final Fantasy
ou nos livros do Senhor dos Anéis, a jornadas é um dos
pontos centrais de toda grande história.
Contudo, na maioria dos jogos de rpgs, existe pouca ou
nenhuma discussão de como tornar a jornada num ponto essencial
durante uma aventura. Na maioria das vezes, a jornada se transforma
apenas num cálculo mecânico de variáveis
quantitativas relacionadas a uma viagem: a distância a ser
percorrida, o deslocamento do grupo por dia, os mantimentos, os
animais de carga etc.
No livro do mestre de AD&D 2a edição,
por exemplo, existe um capítulo dedicado inteiramente para
'Tempo e Movimento', detalhando minuciosamente a movimentação
por terra, por mar, uso de montaria, como cuidar dos animais de carga
e até mesmo como construir um calendário. Contudo, não
existe nenhuma descrição de como construir uma cena de
jornada semelhante ao que vemos nas obras fantásticas. Esse
tipo de conduta, com ênfase nos aspectos logísticos da
jornada ao invés de nos aspectos possíveis de
narrativa, se repete da mesma forma na maioria dos rpgs – seja nas
versões mais novas o normal na maioria dos
Cenários fantásticos - Uma jornada é mais que testes de sobrevivência - |
O máximo que se discute é sobre
sobrevivência e encontros aleatórios. No que diz
respeito à sobrevivência, tudo acaba sendo resumido a
algumas jogadas de dados para ver se os personagens conseguem se
manter no caminho, se eles conseguem comida suficiente ou coisas do
gênero. Normalmente, tais jogadas tem pouco a ver com o
andamento da aventura, e funcionam mais como algo mecânico do
que uma parte importante para a narrativa. Já encontros
aleatórios seriam os acontecimentos inusitados que
aconteceriam durante a viagem. Normalmente, estes encontros são
reduzidos a combates contra monstros errantes – bem ao estilo
clássico dos rpgs eletrônicos como Final Fantasy.
Contudo, tabelas de encontros aleatórios podem conter também
desastres naturais (chuvas, tempestades, deslizamentos de terra),
encontros sociais (mercadores andarilhos), lugares (encontrar casas
abandonadas, ruínas perdidas) e mesmo problemas (como falta de
comida, doença, cansaço).
Com isso, podemos ver que estes dois detalhes – testes
de sobrevivência e encontros aleatórios – proporcionam
um pouco mais de vivacidade para os momentos de jornada durante uma
aventura. Contudo, ainda não são suficientes para
engajar os jogadores. As jogadas de sobrevivência são
muito mecânicas, enquanto que os encontros aleatórios
estão independentes das ações dos personagens,
ocorrendo simplesmente por acaso.
Como então fazer para ter uma cena de viagem como
vemos, por exemplo, no livro do Hobbit, quando os anões tentam
montar acampamento e falham em conseguir acender uma lareira? Ou
então as cenas entre Gollum, Sam e Frodo quando eles viajam em
direção à Mordor, por escarpas perigosas e
quedas traiçoeiras? É verdade que tais cenas poderiam
ser simuladas simplesmente com interpretação, mas seria
possível usar uma mecânica de jogo que pudesse auxiliar
nesse processo?
Eis que entra em cena o rpg 'The one Ring' (em
português, O Um Anel), um dos primeiros (e talvez o primeiro)
rpg a tomar a jornada como um dos pontos centrais de uma aventura de
rpg – tendo igual peso ao Combate e às jogadas de
Socialização. As mecânicas do sistema buscam
simular todas as viagens que lemos e vimos nos livros e filmes do
Senhor dos Anéis e do Hobbit, tanto em seu aspecto logístico
quanto o seu aspecto narrativo.
Falando em poucas palavras, o The One Ring exige que,
antes de empreender uma jornada, o grupo veja quantos dias de viagem
ela durará. A partir do número de dias se estabelece
quantos 'Testes de Viagem' o grupo terá de fazer durante a
jornada. Esses Testes de Viagem poderiam ser comparados aos testes de
sobrevivência de outros sistemas, onde o nível de
dificuldade da viagem iria variar a depender de quão perigoso
e hostil for o lugar por onde os personagens estiverem passando.
Daí, sabendo quantos testes de viagem serão
necessários, o grupo deve decidir quais dos personagens irão
preencher as posições do grupo: caçador,
batedor, vigia, guia etc. Depois de tudo acertado, os jogadores fazem
os testes de viagem. Cada teste de viagem indica uma etapa da
jornada, durando vários dias. A partir do resultado dos
testes, o Mestre pode invocar uma complicação (caso os
testes tenham sido ruins) ou até mesmo uma vantagem (caso
tenha acontecido algum sucesso fenomenal nos testes).
Por exemplo, supondo que os jogadores queiram fazer uma
jornada através de uma cordilheira de montanhas, a qual durará
10 dias e necessitará de 3 testes de viagem. no primeiro teste
de Viagem, o caçador do grupo falhou em seu teste. Assim, o
mestre pode invocar uma cena de complicação relacionada
à caça. Por exemplo, o mestre pode colocar o caçador
no meio de uma caçada onde ele descobre que o cervo que ele
caçava estava sendo vigiado por um leão o qual,
irritado com a presença do caçador, o ataca. Ou então
o mestre pode dizer que parte da caça que ele caçou
estava doente, o que faz com que metade do grupo tenha fortes enjoos
e náuseas. Já no segundo teste de Viagem, vamos supor
que o Guia tenha um sucesso crítico. O Mestre diz que o guia
encontrou um atalho esquecido pelas montanhas – um túnel
esquecido. Então, o narrando uma pequena sessão de
exploração do grupo através desse túnel,
os jogadores conseguem atravessar rapidamente o caminho e terminam a
viagem muito mais rápido – não precisando rolar o 3o
teste de viagem.
Viagens permitem a interação com o mundo do jogo (Forest Bridge por Pavel Elagin) |
Como pode-se ver, essa maneira de lidar com Jornada é
bastante engajante para os jogadores. Diferente de um teste genérico
de Sobrevivência, cada personagem acaba tendo sua função
e contribuindo para o jogo. Ao invés de os eventos serem
aleatórios, eles são motivados pelos tipos de testes
feitos pelo grupo E para cada uma das várias posições
de exploração (batedor, guia, caçador, vigia),
existem vários tipos de complicações e vantagens
que podem acontecer, e várias cenas que podem ser invocadas.
As viagens se tornam parte integrante da aventura, e o Mestre pode
caprichar na descrição do terreno e do ambiente,
imergindo ainda mais os jogadores dentro do universo do jogo.
E quanto a vocês, já tinham tentado usar
mecânicas como essa do The One Ring, que permitem criar cenas
narrativas a partir da jornada? Espero que este post curto tenha
mostrado algo de novo para alguns mestres e jogadores que não
conheciam essa maneira de se lidar com a Jornada num jogo de rpg, com
mecânicas que permitem criar cenas de viagem semelhantes às
que vemos nas obras fantásticas. Em posts futuros sobre este
assunto, irei elaborar mais detalhadamente sobre quais tipos de cenas
podem ser invocadas para cada posição de exploração.
Até lá,
Valete!
Muito interessante essa ideia desse rpg. Nas minhas campanhas eu tento ao máximo ambientar as viagens que o grupo faz, mas confesso que não é fácil, pois demanda muita criatividade e tempo.
ResponderExcluirRealmente; até eu ler o The One Ring, também não tinha muita ideia como fazer isso. Eu pretendo discutir mais sobre viagens em próximos posts.
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