Um guerreiro cercado de inimigos, inabalável - Entendendo o combate em AD&D - |
. Combate em AD&D e versões antigas de D&D eram uma
abstração, não uma simulação da
realidade. Uma rodada de combate representava 1 minuto no mundo de
jogo.
. A ação de um personagem não indicava a única
ação que ele fazia num turno, mas o foco de sua
atenção. Num turno, um personagem fazia inúmeras
ações que, na maioria das vezes, ficavam
sub-entendidas.
. A THAC0 representava a habilidade, técnica, sorte,
posicionamento, força, alcance, estamina e todas as qualidades
necessárias que tornariam uma pessoa num bom lutador e capaz
de desferir golpes num turno.
. CA representa sua capacidade de resistir ao impacto, de antever
movimentos do oponente, a extensão do quanto a sua armadura
protege em todo o corpo, quão resistente é o material,
o quão difícil é acertar o alvo (em termos de
tamanho e velocidade de movimento) e o quão grossa for a
camada da armadura (dependendo do tamanho do ser).
!Como sempre, não
se esqueça de comentar para que possamos aumentar a discussão!
><><
Venho neste post (e talvez em outros futuros) discutir algo que acho
muito necessário, pelo menos para quem ainda jogue sistemas
Old School ou que leia sobre eles. Já ouvi diversas vezes –
e creio que tenham muitos de vocês também ouvido – a
colocação sobre o realismo (ou falta de realismo) no
combate de D&D, em especial das edições antigas
(AD&D e OD&D). A crítica mais comum está
relacionada ao modo de combate com rolagem de ataque ('como um
guerreiro humano de 1,80 pode enfrentar um colosso de ferro de 30
metros de altura? O colosso simplesmente o chutaria para longe!); ao
modo de dano ('guerreiro com 100 pvs pode perder 99 e continuar bem;
ficou em 0, agora está morrendo!'); e ao modo como funciona a
armadura ('nenhuma armadura deixa mais difícil alguém
de ser acertado; ela reduz o dano que se recebe!'). Muitos respondem
à esta crítica dizendo ser o D&D um sistema de
'combates heróicos e épicos', e que, portanto, não
se importam tanto com o realismo.
Mesmo assim, quando encaramos as edições antes da 3a,
vemos coisas que são consideradas absurdas, mesmo para um
'combate heróico'. Por exemplo, em AD&D, não se
pode fazer ataques localizados e mirados – a não ser que
você use regras complementares nos módulos de combate ou
guia do guerreiro. Outro exemplo se encontra no fato de que a
Destreza conferia bônus na CA mesmo se o usuário trajar
uma armadura pesada como uma armadura completa. Esse é um
nível de incoerência tão grande com a realidade
que, mesmo para jogadores contemporâneos de D&D, parece
tornar o combate em AD&D numa situação extremamente
abstrata e difícil de se identificar.
Aí está a questão: o combate em AD&D não
é incoerente com suas regras; e (numa opinião pessoal),
acredito que ele seja até mais realista que o combate em D&D
3a edição; e, quem sabe, ainda mais realista que o
combate em Gurps (talvez eu esteja exagerando aqui, ha!). Pois então,
eu pretendo esclarecer, nesse post, essa duas questão ao
analisar os dois pontos principais do combate em AD&D: a THAC0
('To hit armor class 0', ou 'para atingir classe de armadura 0'), o
valor usado para ataques em AD&D; e a CA (categoria de armadura),
o valor usado para determinar defesas de ataques em AD&D.
Antes de mais nada, como estou falando de AD&D, estarei usando
estatísticas descendentes para THAC0 e CA – isto é,
quanto menor o valor, melhor. Assim, THAC0 13 equivaleria e Ataque
+7, e CA -4 equivaleria a CA 24. Eu irei escrever em parênteses
o valor que seria a contraparte ascendente, mais usada hoje em dia.
Portanto, THAC0 11 (+9), CA 4 (+6), etc.
A primeira coisa de que gostaria de falar, antes mesmo de discutir
sobre a THAC0 e a CA, é sobre o quanto dura uma Rodada em
AD&D, um detalhe muitas vezes esquecido por muitos jogadores –
mesmo Old School. Na maioria dos rpgs contemporâneos, uma
rodada de combate (o tempo que demora para todos agirem) gira em
torno de 5-10 segundos; em Gurps, o turno (ação de um
jogador) é de 1 segundo; em D&D 3a, a rodada é 6
segundos. Em AD&D, a rodada de combate não é nem 5
nem 10 segundos. Ela é de 1 MINUTO. Sim, 1 minuto, ou 60
segundos, ou 60 vezes mais demorada que em gurps, 10 vezes mais que
em D&D 3a.
Portanto, o primeiro ponto que deve ser esclarecido é que o
combate em AD&D não era uma tentativa de simular a
realidade, mas sim uma abstração. Quando você
declarava sua ação em AD&D, não queria dizer
que seu personagem faria SOMENTE aquilo, mas que iria FOCAR naquilo.
Beber uma poção indicava que ele iria tirar a poção
da mochila, desviar dos ataques que recebia, aparar outros, olhar em
volta, esperar uma oportunidade, tirar a presilha e só então
beber o líquido, enquanto ainda desvia de mais ataques e
observa o caos da luta.
Daí podemos ver o que constituía a THAC0. Ela
representava a habilidade, técnica, sorte, posicionamento,
força, alcance, estamina e todas as qualidades necessárias
que tornariam uma pessoa num bom lutador e capaz de desferir golpes
num turno. Por isso um Troll, mesmo sem qualquer treinamento, poderia
ter um bom THAC0 13 (+7), equivalente a um guerreiro de 7o nível.
Sua ferocidade, tamanho, alcance, força e brutalidade
contavam. Testar a THAC0 não indicava fazer somente UM ataque,
mas sim uma série de golpes, fintas, movimentos, rolamentos,
bloqueios, aparos, desvios, esquivas e, no caso de um acerto, o dano
representa todo o cumulativo de ferimentos que o guerreiro conseguiu
causar. De certa forma, era até comum narrar as piruetas que
seu guerreiro fazia no combate – rolando, aparando, atacando –
pois a rolagem da THAC0 era apenas o resumo mecânico da
intenção do jogador.
Por isso AD&D antigo não tinha regras para ataques
localizados. De certa forma, a própria jogada de dano indicava
se você teria ferido o alvo de maneira crítica ou não.
Com uma espada longa de dano 1d8, caso você tirasse '1' poderia
indicar apenas cortes e arranhões, enquanto que um '8' poderia
ser uma decapitação. O próprio 'crítico
em 20' era uma ideia que Gygax (um dos criadores do sistema D&D)
repudiava – mas que acabou sendo acatada pela maioria dos
jogadores.
E, da mesma forma que a THAC0, a CA não era somente a dureza
da armadura nem a esquiva de um personagem. Ela representa sua
capacidade de resistir ao impacto, de antever movimentos do oponente,
a extensão do quanto a sua armadura protege em todo o corpo,
quão resistente é o material, o quão difícil
é acertar o alvo (em termos de tamanho e velocidade de
movimento) e o quão grossa for a camada da armadura
(dependendo do tamanho do ser). Enfim, tudo que possa dificultar em
ser atingido com um golpe que cause ferimentos. Daí a base da
CA ser 10, pois indica um adversário que esteja plena e
ativamente tentando esquivar e evitar golpes, ou se movimentando em
combate. Alguém completamente indefeso poderia ter CA 15 (5)
ou mesmo 20 (0). Em função disso, o bônus de
Destreza era aplicável mesmo se o usuário estivesse com
uma armadura pesada, pois ela indicava também o reflexo e a
capacidade de se mover independente de estar pesado ou não.
Fogo Fátuo (Will o' wisp) versão macabra de AD&D |
e elétrica.
Fogo Fátuo (Will o' wisp) em OD&D |
Até lá,
Valete fratres!
Muitos dos aspectos de critica (tipo "ah, ele caiu de 50 metros e nao morreu pq ainda tem PV") surgem pela falta de conhecimento no sistema, falta de leitura do sistema, e mais comum, falta de puro bom senso. como comentei na sua outra postagem, é comum hj em dia q os jogadores esperem q o livro diga tudo.
ResponderExcluirantigamente nao precisava dizer q se vc caisse de m penhasco, vc morria (apesar de algumas edições antigas falarem). hj as pessoas querem tudo mastigado (nao todas, claro. nao quero generalizar).
To com uma dúvida: Se o jogador fala: Eu tento cravar as minhas duas adagas na cabeça do inimigo para tentar destroçar seu cérebro. Rolagem: acertou, 12 de dano.
ResponderExcluirPorque o inimigo esta vivo se ele acabou de ter o cérebro destruído?
Depende. Se o inimigo for um zumbi, pode até ser.
ExcluirNormalmente, narra-se a intenção de maneira genérica - dizendo como você brada a espada, desvia, caminha, se porta, grita - e o que você pretende fazer: "Avanço contra eles gritando o nome de meu deus e bradando o meu montante, atacando a lateral onde o escudo nao estiver protegendo", por exemplo.
No seu exemplo, o mestre terá que observar. Quantos pvs tem o monstro? 14? Então o ataque, apesar de não ter destruído o cérebro, poderá ter rompido o crânio - a criatura iria gritar, esperniar, urrar. Agora, e se for um lendário senhor da guerra Gnoll com 40 pvs? O ataque terá atingido a cabeça e feito um rasgo, mas nada letal. Se quiser, pode ainda dizer que - 'as lâminas atravessam o elmo do monstro e descem riscando a sua face, cegando seu olho esquerdo'.
Entendeu?
Neste caso, faça com que o alvo faça um teste vs. Morte antes de rolar o dano. O mestre pode usar certos detalhes da regra para fazer com que momentos assim não fiquem tão absurdos. =P
ExcluirHá uma grande diferença entre o que o jogador diz que o personagem tenta fazer e o que o personagem realmente consegue, em AD&D os pontos de vida também repesentam sorte e experiência para evitar que um golpe atinja um ponto vital e o combate é mais descritivo que nas outras edições. No exemplo do golpe na cabeça, o jogador anunciou a intenção do personagem, este desferiu um ataque e conseguiu acertar a cabeça do oponente, mas o oponente reagiu amortecendo o golpe ou desviando a tempo suma cabeça aponto de ficar com com sérios cortes no rosto... ou talvez apenas arranhões, dependendo de qntos pvs ele tenha.
ExcluirSe o inimigo não chegar a 0 PV o jogador não conseguiu destroçar o cérebro dele, mesmo acertando a jogada de ataque. Simples assim.
ExcluirQuando você faz uma jogada de ataque você não está dando um golpe, mas tentando causar um ferimento fatal que só acontece quando o monstro chega a 0 PV.
Ao jogar AD&D o grupo deve saber e aceitar que combate não contempla simulação.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAs edições antigas trazem muito mais do que fatores binários - aproveitando o termo usado na nova edição sobre "gêneros não-binários" - para o combate e para outras situações, como o Rafael citou sobre o penhasco.
ResponderExcluirEu adoro vídeo-games e espero um dia desenvolvê-los como profissão, mas o RPG tem que ir além de um simples acerta-dano, acerto-meio-dano, erra. Os games poderiam ser assim também, criando um leque imenso de opções, mas não é o caso discutir. Justamente por isso que tenho maior identificação com as edições antigas e os retroclones.
Eu ainda não provei o sistema, mas Dungeon World naturalmente bebe dessa fonte. Quando você ataca, dependendo do seu sucesso, pode ser que as duas adagas cravadas no inimigo do João sejam suficiente para esmagar o crânio ou perfurar pontos vitais no pescoço, jorrando sangue para todos os lados, ou talvez só corte o ar. O efeito do ataque não fica em uma tabela do livro ou em estatísticas das regras de jogo, mas a cargo da imaginação do mestre se haverão apenas ferimentos superficiais, cicatrizes ou um traumatismo no Gnoll Warlord - e ele precise fugir, para ser encontrado mais tarde pelos aventureiros pedindo pelo golpe de misericórdia, criando até um gancho para a história através das rolagens de dado.
Por jogar AD&D por muitos anos seguidos, eu trouxe o "vício" desse combate narrativo para as edições seguinte, quando joguei Vampiro, GURPS e claro, Old Dragon. Honestamente, não vejo forma melhor do jogar que assim. Quando eu praticava kenjutsu, lembro muito bem que às vezes você queria acertar uma parte específica do adversário, mas pelo movimento que ambos realizavam, você precisava improvisar seu golpe. Não sei explicar direito, mas é exatamente como acontece o combate no AD&D.
Parabéns pelo post e obrigado por reforçar a ideia e as lembranças!